sexta-feira, outubro 22, 2004

Ainda a sedução das palavras (II)

Porque escrevemos em blogs? Já não precisamos de guardar as cartas em papel, nem os pequenos poemas em pedaços de toalhas de mesa de café. Já não usamos cadernos de linhas, nem blocos de notas.
E lemos o que os outros escrevem para si próprios. Ou para nós. Somos por um instante o destinatário da mais bela carta, do mais admirável poema de amor. E podemos participar na escrita do outro. Deixar um comentário. Passamos a fazer parte dos mundos dos outros.
A comunicação que se estabelece nestes momentos fugazes on line não deixam de me espantar (ainda me espanto de existir... posso entrar na Floresta Encantada do João Sem Medo).
Entremos então na floresta mágica de enganos... Procuram-se empatias, simpatias, ou apenas uma “voz” do outro lado do écran.
Soltam-se signos, palavras, timidamente palavras, que vão descodificando emoções, que vão desfiando confissões, que vão despindo sensações, que vão descarnando sentimentos.
Escrevem-se frases, ao sabor do momento, ao sabor do cheiro de um cigarro cujo fumo amarelece o teclado, ao sabor de uma resposta que se procura avidamente no meio da confusão, da loucura de nos misturarmos com todos, de nos unirmos a todos os que partilham desta vertigem de comunicar.
Procuram-se sinais, códigos, que nos indiquem o caminho para a alma gémea que por acaso e por destino se encontra no mesmo local virtual que nós. E todos os dias as almas gémeas se encontram. Por breves momentos. Apenas efemeramente no momento em que somos plenamente completos pelo diálogo que construímos com o outro, que até pode ser a “ponte do tédio” do Sá Carneiro.
Encontra-se o código. Encontra-se o anjo perdido da nossa infância. Encontra-se o riso, a alegria, a tristeza, o tédio, a emoção de partilhar apenas palavras, que são tudo o que temos.
A escrita é mágica, é delirante, pode não parar nunca, há sempre palavras a reinventar, há sempre novos sentidos para a palavra amor, para a palavra árvore, para a palavra oásis, para a palavra alma.
As sensações ficarão aqui sempre suspensas, presas pelo desejo do real, que se impõe ao virtual. A vontade de sair daqui será sempre prisioneira de nós próprios.
Os sentimentos aqui serão sempre intensos e efémeros. Loucos de desejo, mas presos pelo dedilhar de teclas que nos apaixonam, que deixamos por aí. Com estes sinais a preto que tocam ao de leve a alma e o corpo.