quinta-feira, janeiro 20, 2005

Mãe

Viagem ao futuro de um passado presente.

Por vezes na vida temos de visitar a nossa infância. Os anos do passado pedem-nos o nosso corpo e a nossa idade, e de filhos tornamo-nos pais dos pais, que sem a gente dar conta se fizeram velhos e voltaram a ser crianças.

E então, o cosmos anda às avessas, calçamos as peúgas de renda branca e os sapatos de verniz com o odiado lacinho, vestimos uma saia plissada azul que cheira a dias de escola e ouvimos o Carlos Gardel cheio de magia e ruído de gira discos de vinil que ainda funciona.

Sempre me fascinou a agulha do gira discos, sabias?. Tão fina e frágil, deu-me os melhores momentos musicais da minha infância. Nesse tempo partir uma agulha era tão grave como faltar a um convívio de Liceu.


e amparo-te agora com as minhas mãos
guio os teus passos lentos que terminam a sua caminhada

e sou eu que te pego ao colo
na tua gargalhada infantil tão assustada

e sou eu que te alimento
desenho sabores que me ensinaste a colorir

e sou eu os teus olhos nos teus dias cinzentos
falo-te das tonalidades das almas
que te ensino que vêem mais que os teus olhos cansados
de tanto ter visto

e sou apenas o teu sonho de passado,
correndo descalça pela casa
que ainda cheira a tabaco amado de cachimbo

e agora invento histórias de embalar para ti
e digo-te que a vida é feliz e colorida
como as fotografias a preto e branco
que descobri dentro de uma caixa
forrada a papel brilhante com estrelas de natal


E trouxe comigo a minha música. O Gardel ensinou-me o Piazzola.
trágico
sonho
mágico
vida.

Passado e sempre presente no meu futuro. O Cosmos já faz sentido. O círculo completa-se por fim. O Tango é o melhor amante das noites de solidão.